“Já gastámos as palavras
pela rua, meu amor (…) / gastámos as mãos à força de as apertarmos”. São
palavras de Eugénio de Andrade, de quem até receio evocar os versos, de tão
sublime grandeza. A verdade é que não há nada melhor do que este poema para dar
mote ao texto que tento redigir. De um lado, as palavras; do outro, as mãos, os
gestos.
As palavras são um misto de
verdade e mentira, já que podem ser moldadas por quem as pronuncia, ao passo
que os gestos, embora não correspondam à total verdade, revelam-se, na maioria
das vezes, mais verdadeiros do que as palavras. E estas gastam-se tão
rapidamente que, num pestanejar, desaparecem e perdem todo o significado
outrora adquirido quiçá num momento especial. É de lamentar a leviandade com
que se profere um “gosto muito de ti” ou um “és o meu melhor amigo”. Está tudo
gasto; ninguém dará valor a tais frases sentimentais. E porquê? Porque estão
rotuladas com um etiqueta branquinha que diz: banal. Agora, os gestos valem mais. Há que provar que se gosta, que
se sente, que se é de confiança. A palavra deixou de ter sentido, deixou de ter
valor; quando digo “palavra de honra”, não digo nada, não. Digo senão que,
inocentemente, ainda confio na minha palavra (e, pensando bem, não devia
confiar).
Por outro lado, quando as
palavras se revelam inúteis, as mãos ficam sujeitas a um aperto desmesurado.
Volvem-se ásperas, sujas de tanto serem apertadas. As mãos não se apertam; as
mãos entrelaçam-se, de modo a simbolizarem entrega e confiança. Que ultraje
tornar o enlace de mãos uma fuga ao medo! Não as podemos apertar, não podemos…
E depois, que acontece? Estas ferramentas, que Alguém nos deu, ficam
corrompidas pela banalidade e pela vulgaridade.
Por isso, prefiro dar a mão para não ter medo e angústia, prefiro calar-me e só falar
em momentos oportunos, prefiro ser eu própria a falsificar-me com frases feitas
e mãos que já apertaram uma amálgama de pessoas diferentes. Prefiro caminhar
com os meus pés e ter ao meu lado outros dois que caminhem comigo.
Todavia,
esta é a minha palavra. Resta saber se ainda tem valor.
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