segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

#demãosdadas



“Já gastámos as palavras pela rua, meu amor (…) / gastámos as mãos à força de as apertarmos”. São palavras de Eugénio de Andrade, de quem até receio evocar os versos, de tão sublime grandeza. A verdade é que não há nada melhor do que este poema para dar mote ao texto que tento redigir. De um lado, as palavras; do outro, as mãos, os gestos.
As palavras são um misto de verdade e mentira, já que podem ser moldadas por quem as pronuncia, ao passo que os gestos, embora não correspondam à total verdade, revelam-se, na maioria das vezes, mais verdadeiros do que as palavras. E estas gastam-se tão rapidamente que, num pestanejar, desaparecem e perdem todo o significado outrora adquirido quiçá num momento especial. É de lamentar a leviandade com que se profere um “gosto muito de ti” ou um “és o meu melhor amigo”. Está tudo gasto; ninguém dará valor a tais frases sentimentais. E porquê? Porque estão rotuladas com um etiqueta branquinha que diz: banal. Agora, os gestos valem mais. Há que provar que se gosta, que se sente, que se é de confiança. A palavra deixou de ter sentido, deixou de ter valor; quando digo “palavra de honra”, não digo nada, não. Digo senão que, inocentemente, ainda confio na minha palavra (e, pensando bem, não devia confiar).
Por outro lado, quando as palavras se revelam inúteis, as mãos ficam sujeitas a um aperto desmesurado. Volvem-se ásperas, sujas de tanto serem apertadas. As mãos não se apertam; as mãos entrelaçam-se, de modo a simbolizarem entrega e confiança. Que ultraje tornar o enlace de mãos uma fuga ao medo! Não as podemos apertar, não podemos… E depois, que acontece? Estas ferramentas, que Alguém nos deu, ficam corrompidas pela banalidade e pela vulgaridade.
       Por isso, prefiro dar a mão para não ter medo e angústia, prefiro calar-me e só falar em momentos oportunos, prefiro ser eu própria a falsificar-me com frases feitas e mãos que já apertaram uma amálgama de pessoas diferentes. Prefiro caminhar com os meus pés e ter ao meu lado outros dois que caminhem comigo.
       Todavia, esta é a minha palavra. Resta saber se ainda tem valor.

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