Li os poemas todos. Devorei-os… Passei pelo Mar Português, e folheei as páginas
resplandecentes de furor e melancolia. Oh, Pessoa. Eu sou como tu. Sou nada. E
de um aperto suave, passei para um asfixiante que me queria levar mais além.
Avante. As lágrimas escorriam frias, geladas pelas páginas manuscritas e
aparentemente ilusórias. Eu sentia-as, elas tocavam-me nas mãos, que serviam
para mudar de página, de capítulo, de vida. A minha pele estremecia, e limpava
uma e outra vez as mãos ensopadas de pranto acabrunhado, fruto de desgostos, de
angústias…
E, por entre, letras magníficas e sonetos
gloriosos, tu, Pessoa, transparecias, na tua caligrafia maquinal e tão
manuscrita, também, o olhar que te assombra. Um olhar triste. Um olhar de quem
chora vorazmente, de quem escreve de modo furioso. E imagino-te, imagino-te tão
nitidamente!, a desenhar cada letra, minucioso, e a rasgar as folhas do caderno
de apontamentos. O caderno da tua vida. Rasgaste-o todo, Pessoa. O obséquio que
faço para escrever é tão menos forte que o teu. E tu, que vida tão sádica
tinhas, escrevias melhor, escrevias com a tua impensável alma. Eu não escrevo.
Só quero, Pessoa, que me ajudes… Estejas onde estiveres. A primeira página do
caderno já foi rasgada. Talvez rasgue as outras.